O que a Black Friday revela sobre nós e sobre o mercado.
A expressão Black Friday surgiu nos Estados Unidos, nos anos 1960, para designar a sexta-feira que sucede o feriado de Ação de Graças, quando o comércio oferecia grandes descontos para abrir oficialmente a temporada de compras de Natal.
O nome fazia referência ao trânsito intenso que tomava as ruas, mas também ao momento em que os lojistas “saíam do vermelho” e passavam a registrar lucro.
Com o tempo, a ideia se espalhou pelo mundo como sinônimo de oportunidade. Mas, ao chegar ao Brasil, o que prometia ser uma chance de economia transformou-se em um espetáculo de ilusões cuidadosamente montadas, em que o desejo é calculado e a pressa é provocada.
A Black Friday passou a simbolizar mais do que um evento comercial: tornou-se um espelho de como o consumo é induzido, planejado e emocionalmente explorado.
Entre propagandas sedutoras e promessas de vantagem, o consumidor acredita estar ganhando, quando, muitas vezes, apenas participa de um jogo em que o lucro já tem dono.
Muitas vezes, o consumidor acredita estar ganhando, quando, na verdade, participa de um jogo com cartas marcadas.
Do sonho de desconto à armadilha do consumo
O que deveria ser um momento de estímulo à economia tornou-se, em muitos casos, terreno fértil para fraudes disfarçadas de promoção.
Comerciantes aumentam preços semanas antes e, na data da liquidação, os reduzem artificialmente, alcançando, em algumas situações, o que chamamos de: “metade do dobro”.
Essa prática viola o direito à informação clara e adequada, previsto no artigo 6º, III, do Código de Defesa do Consumidor, e pode configurar publicidade enganosa, nos termos do artigo 37 do CDC.
Além disso, a data é usada para escoar produtos antigos ou com defeitos, sem informação clara sobre o estado do item, o que contraria o dever de transparência e a boa-fé objetiva.
O artigo 30 do CDC estabelece que toda publicidade vincula o fornecedor, que responde pelos danos se descumprir o que anunciou (art. 14 do CDC).
Entre o 13º e o sonho: o consumo como estratégia
A Black Friday acontece no mês que antecede as festas de fim de ano, coincidindo com o pagamento da primeira parcela do décimo terceiro salário.
O comércio já incorporou a data ao calendário e faz projeções de lucro antecipadas para o período.
As campanhas são criadas para associar o ato de comprar ao de realizar um sonho, concretizar um desejo.
É verdade que o período movimenta o varejo, gera empregos temporários e aumenta a circulação de renda, trazendo benefício econômico. Mas, para que isso tenha legitimidade, é essencial que os descontos sejam reais e que o consumidor seja tratado com respeito e clareza.
O consumo é saudável quando nasce da necessidade e da informação. Quando guiado pela pressa e pelo apelo emocional, o sonho se desfaz, vira endividamento, e o tão aguardado décimo terceiro se converte em combustível para o lucro planejado do comércio.
A responsabilidade de quem vende e de quem divulga
A cadeia de consumo é solidária.
Não apenas o comerciante, mas também as plataformas digitais e influenciadores que lucram com a divulgação de promoções enganosas podem ser responsabilizados civilmente.
Quem promove o engano participa da violação.
O Código de Defesa do Consumidor protege justamente porque reconhece a vulnerabilidade técnica e econômica de quem compra diante do poder das corporações
Consumo consciente e segurança digital
No ambiente virtual, as ilusões ganham novas formas.
Durante a Black Friday, multiplicam-se sites falsos, links fraudulentos e perfis clonados que imitam grandes lojas.
O consumidor é induzido a fornecer dados pessoais e bancários, resultando em roubo de informações e prejuízos financeiros.
Por isso, é fundamental confirmar se o site é oficial, verificar o cadeado de segurança (https) no endereço e desconfiar de preços muito abaixo do valor de mercado.
Evite clicar em links enviados por mensagens ou redes sociais, cuidado com os redirecionamentos de páginas, boletos falsos, QR codes adulterados.
Guarde notas fiscais e comprovantes, que servem como prova em caso de necessidade de discussão administrativa ou judicial.
A educação digital é, hoje, uma forma de proteção.
Mais do que comparar preços, é preciso aprender a comparar intenções.
CONCLUSÃO
A Black Friday ultrapassou o papel de simples data comercial. Tornou-se um espelho das relações entre quem vende e quem consome, entre o poder econômico e a vulnerabilidade de quem tenta apenas aproveitar uma oportunidade.
É o retrato de uma relação desigual: de um lado, quem dita os preços; do outro, quem paga o preço.
O que se anuncia como vantagem, muitas vezes, revela apenas a precisão de um sistema que conhece nossas fragilidades e transforma comportamento em lucro.
Quando o lucro se sobrepõe à ética, o comércio perde sua legitimidade e o consumidor, sua confiança.
Entre o desconto e a ilusão, o verdadeiro custo é o da consciência perdida — e não há cashback que devolva isso.
Andréa Maria Zattar, Angélica Anai Angulo, Diogo de Oliveira Cruz; Manoel Menezes, Ubirajara Galvão Junior, advogados, membros da ABA – Associação Brasileira de Advogados.




